Quando um bebê nasce com microtia, uma malformação congênita da orelha, as primeiras perguntas que os pais fazem são: “como isso aconteceu”? “Foi culpa minha”? Ou “fiz alguma coisa de errado”? “Quais são as causas disso”? “Como meu bebê vai se desenvolver sem a orelha”?
Os mecanismos que levam à presença de microtia são pouco conhecidos, mas em geral não há uma culpa da mãe ou do pai. De fato, mesmo nos casos em que há uma característica genética associada, não se fez nada de errado, nem é saudável tentar encontrar a responsabilidade pelo ocorrido. O seu bebê tem tudo para se desenvolver da forma mais normal possível e é importante você saber que não está sozinha, que existem várias famílias passando pelo mesmo problema, inclusive com grupos de apoio abertos a receber novos membros e apoiar nas suas dúvidas.
Após o nascimento do bebê e passado o primeiro susto, é importante procurar um atendimento especializado e receber as orientações necessárias para o cuidado e acompanhamento desses pacientes. Os cinco passos abaixo vão orientar os pais de pacientes com microtia por onde começar o atendimento de seus filhos.
Passo Um:
Quando o bebê nasce com uma malformação de orelha, é importante afastar a possibilidade de outras malformações congênitas associadas, como as malformações cardíacas e renais. O seu bebê deve realizar, portanto, um ecocardiograma e uma ultrassonografia de abdome. Em geral, uma ultrassonografia transfontanela também é solicitada para afastar alterações neurológicas. Muitas vezes ficamos focados no problema que estamos vendo externamente e esquecemos que problemas cardíacos muito mais importantes podem estar presentes e precisam ser afastados.
Passo dois:
Após o diagnóstico de uma microtia, a dúvida principal é se o bebê vai ouvir do lado afetado. Para isso, é importante o seu bebê passar por um rastreamento da sua audição, em ambas as orelhas, o chamado teste da orelhinha. A Triagem Auditiva Neonatal (ou exame de Emissões Otoacústicas Evocadas) deve ser realizado no segundo ou terceiro dia de vida e é um exame indolor. Ele consiste na colocação de um fone na orelha do bebê acoplado a um computador que emite sons de fraca intensidade e recolhe as respostas que a orelha interna do bebê produz. Ele permite identificar se os sons passam ou não pelo ouvido interno. Quando o exame está alterado, a criança deve ser encaminhada a um otorrinolaringologista e uma fonoaudióloga para acompanhamento especializado.
Passo três:
Marcar consulta com um audiologista e realizar um Teste de Audiometria de Tronco Encefálico, ou Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico ou simplesmente BERA. Nesse teste, são colocados eletrodos em vários locais da cabeça e ouvido do bebê. Enquanto o bebê está descansando um estímulo auditivo é apresentado em cada ouvido através de fones de ouvido. Uma análise feita da atividade do cérebro revela o grau de comprometimento da audição do bebê, sendo possível distinguir os diferentes segmentos do sistema auditivo, permitindo o diagnóstico topográfico das perdas auditivas centrais. Outros testes complementares subjetivos podem ser solicitados, como a Audiometria do Reflexo de Orientação Condicionada (CORA), em que se observa a busca do estímulo pela criança e só se aceita como resposta a localização da fonte sonora (reflexo de orientação). Baseada nesta técnica, uma nova técnica foi elaborada e denominada Audiometria de Reforço Visual (VRA), na qual reforços visuais são utilizados, como brinquedos iluminados ou slides de figuras projetadas, e as respostas aos estímulos sonoros são o comportamento reflexo, a resposta de investigação, a resposta de orientação ou as respostas espontâneas. A audiometria de Reforço Visual pode ser ainda Informatizada (IVRA), que é a mesma técnica da VRA, mas utiliza um equipamento controlado por um sistema informatizado, o que promove maior objetividade ao teste. Outra técnica que também pode ser solicitada é a Audiometria de Observação Comportamental (BOA), que consiste em observar o comportamento da criança diante da apresentação do estimulo sonoro.
Passo Quatro:
Marque uma consulta com um cirurgião plástico especializado para ajudar a esclarecer todas as suas dúvidas a respeito de Microtia, síndromes associadas e possibilidades de tratamento. Ele provavelmente vai te encaminhar a um otorrinolaringologista para avaliar as questões auditivas. Em casos de função auditiva prejudicada, existem aparelhos que podem ajudar a melhorar a audição, como o Aparelho Auditivo Ancorado ao Osso (ou Bone-Anchored Hearing Aid – BAHA). O BAHA pode ser colocado em uma faixa ajustável, conhecida como soft band, indicado para crianças menores de cinco anos e que ainda possuem o osso da mastóide fino. Nas crianças maiores, o BAHA pode ser implantado diretamente no osso, mas o local de sua implantação deve ser muito bem planejado para que não prejudique uma possível reconstrução de orelha.
BAHA em faixa ajustável ou soft band
Esquema de funcionamento e implantação de um aparelho auditivo ancorado ao osso (BAHA)
Passo cinco:
Após aprender um pouco sobre Microtia, você vai querer saber sobre as opções de tratamento que o seu filho tem. As principais opções para tratar Microtia são:
Não fazer nada (manter a orelhinha como ela é): muitas pessoas aceitam e convivem muito bem com suas pequenas orelhas. Essa opção é possível se você como mãe ensinar desde cedo o seu filho a aceitar e amar sua orelha como ela é, sempre apoiando muito o seu filho e trabalhando sua auto-estima e auto-confiança. É possível viver uma vida perfeitamente normal com uma orelhinha pequena se isso não traz constrangimento social e emocional para seu filho e sua família.
Reconstrução de orelha convencional (usando cartilagem das costelas): é a técnica padrão ouro para reconstrução da orelha. Ela utiliza as cartilagens das costelas para mimetizar uma orelha normal e é colocada sob a pele da região da microtia. A reconstrução completa exige no mínimo dois tempos cirúrgicos, já que no primeiro tempo o arcabouço da orelha é apenas colocado sob a pele rente à cabeça e no segundo tempo, essa nova orelha é separada da cabeça, fazendo o sulco natural que existe entre a orelha e a cabeça. Ao se usar a cartilagem do próprio paciente, diminui-se a chance de complicações a longo prazo, como infecções e rejeições.
Prótese de orelha: confeccionada por anaplastologista especializado, as próteses de orelha são uma opção quando a cirurgia não pode ser realizada ou a família não deseja operar. As próteses atuais conferem um bom resultado estético, porém com os inconvenientes de necessitarem de trocas frequentes e serem retiradas para tomar banho, dormir, etc. Não são minha primeira recomendação em crianças, pelo longo tempo de vida que ainda tem pela frente (e portanto, vão precisar de muitas trocas), além dos inconvenientes para tomar banho, ir a piscina, praia, jogar futebol etc.
Após seguir esses cinco passos e saber um pouco mais sobre microtia, você poderá se sentir mais confiante para enfrentar os desafios que ainda vem pela frente!
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2 comentários em “Microtia: por onde começar?”
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